segunda-feira, 17 de setembro de 2018



Resenha

I, Daniel Blake é um filme do cineasta Ken Loach e seu roteirista Paul Lavert, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2016.

O filme é uma janela que nos permite olhar em diferentes perspectivas e refletir sobre o abismo estabelecido na relação dos trabalhadores e do Estado.
O Estado ao agregar o domínio das funções políticas, sociais e econômicas aliadas aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário defende a ideologia da busca pelo bem estar comum, pela harmonia social, isto é, o acesso igualitário dos cidadãos à saúde, educação, moradia, justiça, defesa, Seguridade Social.
Esse discurso é confrontado e desconstruído a partir da apresentação das histórias dos trabalhadores Daniel Blake, Katie e os vizinhos de Daniel.
A história desses personagens se passa em Newcastle, norte da Inglaterra, um país que se distingue do Brasil e de outros países pobres por ser desenvolvido, ou seja, possuir um elevado grau de industrialização, reduzida dependência financeira, associado a um bom padrão de vida de seus cidadãos. No entanto, Daniel, um carpinteiro, viúvo, após sofrer um ataque cardíaco e encontrar-se impossibilitado de retomar suas funções laborais vê-se no labirinto kafkiano ao buscar o auxílio da Previdência Social. A trama deixa evidente para o público que o Estado, seja em países desenvolvidos ou subdesenvolvidos, é criado para dificultar, suprimir, sepultar o acesso das classes trabalhadoras aos seus direitos.
Marx afirma que o Estado é fundamentalmente classista, isto é, representa uma classe e não o corpus social em sua integralidade: “o poder político do Estado representativo moderno nada mais é do que um comitê para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa”.
Para Marx, o Estado defende os interesses dos donos dos meios de produção por meio das instituições e dos seus instrumentos de regulação: sistema jurídico e policial.
                Nesse sentido, Daniel Blake, Katie e os imigrantes, vizinhos de Daniel, representam toda a classe trabalhadora subjugada pelo sistema capitalista, os quais estão numa situação de extrema vulnerabilidade social. Como afirma Gilberto Dimenstein são os cidadãos de papel, quer dizer, têm direitos adquiridos, mas não conseguem gozar dos mesmos em decorrência da burocracia das instituições, da desinformação, da organização de um Estado estruturado para a prática dos interesses dos donos dos meios de produção.

                      Através da emancipação da propriedade privada em relação à comunidade, o Estado adquiriu uma existência particular, ao lado e fora da sociedade civil; mas este Estado não é mais do que a forma de organização que os burgueses necessariamente adotam, tanto no interior como no exterior, para garantir recíproca de sua propriedade e de seus interesses (MARX, 1993, p.98).

Esse filme desperta a empatia, a sensibilidade, a indignação, o incômodo ao retratar sem exageros realidades tão comuns, globais como a de Katie (Hayley Squires), a qual estava numa situação tão delicada quanto a de Daniel, ambos se conhecem na Agência da Previdência Social. Daniel apesar de suas limitações financeiras e físicas estende a mão de solidariedade a Katie, ajudando, prestando pequenos serviços, sem visar outros interesses, mas pautado no prazer de servir, de colaborar para o bem estar do outro, Kafka afirma que “a solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”. Contudo, bem sabemos, que no sistema capitalista, dominado pelos donos dos meios de produção, a dignidade humana é a matéria mais escassa.
katie, mãe solteira, com dois filhos, é jogada pelo Serviço Social de Londres para Newcastle. Perdida, sem dinheiro, sem emprego, sem amparo, longe da família, desejava retomar os estudos, mas não consegue acessar seus direitos na Previdência Social, não obtém uma colocação no mercado de trabalho e sequer tem comida para suprir suas necessidades diárias, o desejo de estudar, de voltar aos livros torna-se distante, inacessível, as imposições do sistema entrincheirava o percurso de Katie em direção à educação.
Os vizinhos de Daniel Blake são exemplos da relação escravista que se estabelece com os imigrantes, eles acabam se arriscando na ilegalidade de um comércio autônomo para se não se submeterem a uma situação de quase escravidão.
O filme I, Daniel Blake inquieta, perturba pela densidade das relações retratadas e das reflexões propostas.


Referências Bibliográficas

MARX, Karl. A ideologia alemã. 9º ed. São Paulo: Hucitec, 1993

Assista ao trailer:



3 comentários:

  1. Oi Fabi, que coincidência, também farei uma análise do filme de Daniel Blake. Estou finalizando, na verdade um pouco tardia, mas logo depois que assisti o filme imaginei uma postagem no blog. Depois visita o meu blog e dá uma olhada. Bjos

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  2. Legal, fiquei curioso em ver o filme. Qual a relação vc achou entre o que é retratado e a nossa realidade? Qual influência é mais predominante: o sistema financeiro/empregador sobre o sistema educacional ou o contrário?

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